sexta-feira, 7 de agosto de 2015

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Primeira República já preconizava os estratagemas políticos para minguar a representatividade.



Charge do voto de cabresto mostrando o político levando o eleitor para votar, do cartunista Storni, publicada na revista Careta, nº 974, Pg.14, de 1927. Créditos: Storni / Revista Careta / Biblioteca Nacional.


           
                                                                          Voto na Primeira Reública
  
  A charge em destaque foi publicada, em 1927, na antiga revista Careta, que circulou por 53 anos, de 6 de junho de 1908 a 5 de novembro de 1960. O seu criador Jorge Schmidt afirmava em editorial que pretendia fazer da revista uma publicação de amplo alcance entre os leitores, com um caráter mais popular e principalmente de leitura mais espirituosa e divertida, pois lançava mão da sátira gráfica, charges e caricaturas políticas e sociais. Um de seus colaboradores que fez a imagem em destaque é o gaúcho Alfredo Storni. Ele é reconhecido por ser um grande caricaturista e chargista brasileiro, sendo um dos principais chargistas da Careta entre os anos 1920 e meados dos anos 1930. Seu traço, repleto de alegorias, era bem característico das primeiras décadas do século XX.
      Ao olhar a sua charge percebe-se que é uma sátira de um fato concernente ao processo eleitoral da época, em que o eleitor tornou-se numa metáfora depreciativa. Ele é exposto com a cabeça de um burro, cabisbaixa, submissa e é levado para onde aquele que está com o cabresto - figura de poder sobre o animal - deseja. Devido ao fato do eleitor estar sendo conduzido isso dá a entender que ele irá fazer o que o seu guia quer, ou seja, votar no candidato por ele indicado. Além disso, ele carrega um caderno em suas mãos que é sinônimo de que é letrado, exigência expressa na Constituição de 1891..
     Tudo ocorre sob o olhar carregado de enfado da soberania do voto, figurada na pessoa feminina à esquerda da imagem. Isso contrasta com a expectativa da expressão de alegria que a soberania deveria ter diante da realização de eleições, já que o voto deveria expressar a manifestação da maioria quantitativa, habilitada a exercê-lo pela Constituição, e não o poder de indivíduos isolados, para a escolha dos políticos. Por isso a sua fala chateada contra a passividade corriqueira do eleitor, ao vê-lo como besta. O político responde a pergunta dizendo que o Zé (designação comumente utilizada na imprensa para designar o povo brasileiro), nome dado ao votante, não é besta, mas é burro, como é exposto no iconotexto.
      Até este ponto foi tratado o que podemos inferir ao olhar a imagem. Daqui em diante haverá a associação dos elementos interpretados com o conteúdo histórico escrito. Como já foi dito, a charge aborda fatos ou acontecimentos específicos e, portanto a sua compreensão torna-se maior quando conhecemos o contexto onde foi elaborada.
    O que leva o indivíduo pelo cabresto é o político que muitas vezes é indicado pela figura do coronel de uma região. Tal termo ainda existente na Primeira República para designar os fazendeiros ou comerciantes mais ricos da cidade. Ele mantém o seu poder, pois integra as oligarquias que controla os resultados das urnas por meio de seu "curral eleitoral". São os eleitores controlados pelos coronéis em troca dos favores concedidos por estes em troca do voto dos trabalhadores, ou ainda pela imposição à força, através dos capangas armados, subordinados aos grandes proprietários locais. Ou seja, na imagem tal situação encontra-se expressa: ao invés do eleitor por vontade própria levar o seu político a urna, é o cabresto deste que vai fazer aquele comparecer a votação e determinar o seu voto.
    Os eleitores controlados pelo “voto de cabresto” são uma peça fundamental para que os interesses de autonomia dos coronéis fossem atendidos pelo Governo. Portanto, para o coronel quanto maior o número de eleitores sujeitos à sua influência maior é o seu poder. Tal lógica não se refere apenas às lideranças locais, mas, envolve também as disputas políticas no âmbito regional (governadores), formando o elo, que se colocava entre o coronel e o poder federal, baseada nos mesmos princípios de troca de favores, de maior autonomia e manutenção do poder. Essa era a lógica da chamada “política dos governadores”, que apoiavam no Congresso os projetos do Poder Federal.
    Vale ressaltar que a Constituição de 1891 restringia o voto aos alfabetizados e o declarava de caráter facultativo. Assim, o caderno nas mãos do guiado na imagem significa a condição de alfabetizado exigida pela lei. Outro ponto é a falta de espontaneidade do exercício da cidadania diante do constrangimento de tais elementos. Constrangimento esse denunciado pelos integrantes do movimento tenentista contra as oligarquias que, segundo eles, haviam transformado o Brasil em “feudos”, cujos senhores eram sustentados pela política dominante.
    Ressalte-se nesse sentido que quem realizava a legitimação dos votos e dos diplomas nas eleições era a Comissão de Verificação de Poderes liderada por políticos da legislatura anterior (uma nova regra estabelecida, já que antes era liderada pelo parlamentar mais idoso presumidamente eleito). Logo, fraudes tornavam-se mais fáceis. Outro dado é que São Paulo e Minas Gerais eram os detentores das maiores bancadas no Congresso, o que aumentou o seu poder em relação aos outros estados.
    Dessa forma, é válido pensar até que ponto as regras eleitorais vigentes permitem efetivamente a soberania do poder aclamado pelo voto. Dizer que vivemos num sistema democrático, federativo e liberal pode não significar a representação de todos. Quantas são as estratégias e jogos políticos que não satisfazem as demandas sociais?
    O discurso dos republicanos quando da instauração do novo regime era bastante democrático. Um sistema que se resolvia em negociatas; nomes previamente estabelecidos, pela concordância das oligarquias, ganhavam as eleições até esse pacto romper-se.
    Será que ainda hoje possuímos alguns desses problemas? Será que uma reforma política resolveria a falta de representatividade reivindicada nas manifestações de junho de 2013? As regras seriam mudadas em favor de quem? Como seria possível pressionar os poderes legislativo e executivo para “limpar” a política de esquemas administrativos que “bestializam” a população? Pode se dizer que os casos de “mensalões” e similares nos governos da atualidade compartilham da lógica da política da Primeira República no que também concerne a “compra” de apoios? As ações atuais do presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, pode ser comparada a tais estrategemas que mínguam a verdadeira representatividade dos poderes?

Ação empresarial na realização golpe civil-militar

IPES/IBAD na visão de Dreifuss

   A empresa multinacional Hanna Mining, atuante na exploração de minérios, na década de 1960, forneceu caminhões para as tropas militares de Minas Gerais, responsáveis por dar início ao golpe civil-militar de 1964 contra o governo nacionalista-reformador de João Goulart. Ela defendia o contra-ataque às “latentes ameaças comunistas” na América Latina que representariam uma ameaça aos interesses comerciais americanos.
   Essa empresa atuava no Brasil, assim como outras estrangeiras, que foram estimuladas a adentrar na economia nacional, principalmente, a partir do programa desenvolvimentista de Juscelino Kubitchesk (1956-1961). A sua proposta de aceleração da economia de seu governo baseou-se no argumento de que não haveria uma acumulação primitiva de capital, tecnologia, know-how e maquinário que pudessem propiciar a industrialização em bases nacionais. Por isso, setores incipientes como, por exemplo, o da indústria automobilística, construção naval, produtos químicos e farmacêuticos e outros receberam apoio governamental para trazerem tecnologia, técnicas gerenciais e ajuda financeira de fora.
   O Plano de Metas encontrou um obstáculo no Congresso Nacional, pois o Parlamento era composto de forças conservadoras representantes dos interesses agroexportadores. Além disso, ele funcionava dentro da lógica populista e a de satisfação dos diferentes interesses. A solução para esses impasses estruturais da máquina governamental foi a criação de um corpo técnico, de empresários de ponta e oficiais militares, que tiveram as suas atividades sob sigilo.
   Tal corpo foi concebido como uma administração paralela capaz de contornar as raízes históricas do poder e de passar despercebidas as críticas por seu caráter de “perícia apolítica” e “racionalidade técnica”. Os Grupos Executivos permitiram que os interesses do capital multinacional e associado governassem a política econômica (uma abordagem empresarial para os problemas de desenvolvimento) desviando-se assim do controle de líderes populistas. Vale lembrar que as grandes corporações nacionais, em sua maioria, já eram associadas com multinacionais.
   Os setores responsáveis pelo discurso político entrincheirado na administração paralela e nas organizações classistas de empresários (ferramentas de pressão) no período do presidente J.K. buscariam ascender ao poder no governo de Jânio Quadros. Tais setores conseguem êxito em sua empreitada. Dessa forma, conseguem participar de diversos Ministérios dentro de uma estrutura de poder populista.
    Todavia, a urbanização e a industrialização modificam os contornos políticos e ideológicos vigentes. No final da década de 1950, o controle exercido pelo populismo, que é feito sobre as massas através da satisfação dos trabalhadores com ganhos sociais circunscritos as rédeas do Estado (ainda que esses possam ser interpretados como parciais por alguns historiadores) e outros mecanismos, perde força em suas medidas distribuidoras devido à crise econômica gerada pelos gastos com o crescimento “acelerado” de J.K. Nesse período há um florescer das atividades sindicais, de organizações de trabalhadores e intensa mobilização estudantil. Posteriormente, o terreno para a luta de classes, encoberta no Estado Novo, no governo de João Goulart torna-se sensível quando a pressão popular sai da órbita do populismo e atua de forma autônoma.
  Quando Jânio Quadros resolve renunciar o mandato, ele está colocando em cheque projetos econômicos: o que favorecia os interesses do capital multinacional e associado contra aquele que através da ascensão de seu vice ao poder desembocaria na implementação de um programa de desenvolvimento nacional-reformista. A fama do novo presidente, pelo ponto de vista dos conservadores, era de ser reconhecido como um esquerdista perigoso com inclinações ao comunismo.
    Após a posse de Jango como presidente, no sistema do parlamentarismo, foi criado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o IPES, com ramificações pelo território nacional, composto por indivíduos dos setores empresariais, políticos e militares. O seu principal objetivo era disseminar os valores do capitalismo, do livre mercado e do anticomunismo na sociedade brasileira, para enfrentar as ideias esquerdizantes. Segundo as suas avaliações essas ideias avançavam perigosamente no país desde o governo de Juscelino, ganhando força inequívoca com a presidência de Goulart. O instituto possuía apoio financeiro do Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o IBAD, fundado em 1959, que recebia fundos de empresas brasileiras e dinheiro da CIA (Central Intelligence Agency) norte-americana. Além disso, o IBAD ilegalmente patrocinava políticos brasileiros. Ambos os institutos contavam com o apoio privado nacional e de grandes corporações multinacionais. O IPES fazia parte de um sistema internacional atuante na América Latina a partir de meados dos anos de 1950 e coordenado por agências norte-americanas como o Latin American Information Committe (LAIC) e o Committee for Economic Development (CED).  

Bibliografia:

DREIFUSS, Rene Armand. 1964 : a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis, RJ : Vozes, 1981.

Belmiro de Almeida e Nietzsche: Ressentimento

   Arrufos (1887), de Belmiro de Almeida 

       Belmiro de Almeida e Nietzsche: temática do ressentimento na arte brasileira e na filosofia alemã

   O Romantismo Brasileiro visou construir a ideia de nação mediante a junção da monarquia com os atributos idealizados do que seria ser brasileiro.  Diferente da Europa, que possui um passado medieval, os intelectuais românticos criam a ideia do índio nobre, o bom selvagem, e a exaltação da bela vegetação. Logo, o discurso palaciano faz-se presente no ambiente intelectual, nas artes por meio do patrocínio à Escola Nacional de Belas Artes, na literatura e ciências (IHGB). O passado do Brasil torna-se a gênese do Império Brasileiro. 
   Todavia, nos anos próximos a proclamação da república esse cabedal ideológico começa a mudar. O desmoronamento do Império Brasileiro abre espaço para o surgimento de novas questões no meio artístico. Os ateliês abrem as portas ao calor das mudanças republicanas. 
    Belmiro de Almeida, um integrante da Escola Nacional de Belas Artes, surpreende o público brasileiro ao lançar uma obra que retrata um burguês no interior de sua casa perpassado por temas sociais e triviais. Em sua obra Arrufos (1887) foi visto o adultério e o ressentimento pelo público. Isso representa uma mudança para a época, pois fica representado assim que a artes já não mais está monopolizada a pinturas do imperador ou de homens ilustres. Essa é uma obra adaptada a uma nova conjuntura política e é fruto de uma nova geração de artistas dispostos a contestar preconceitos e abrir caminhos menos austeros.  
    Além disso, obra de Belmiro é influenciada por tendências europeias relativas ao realismo de Coubert e a pintura de gênero.  
   Apesar de ainda não podermos falar de uma fase pré-modernista no Brasil nessa época, podemos confrontar a produção brasileira com a obra filosófica de um contemporâneo europeu modernista, Nietzsche (1844-1900). 
   A obra que é e a base para analisar o ressentimento na pintura é a “Genealogia da Moral”, produzida no mesmo ano de Arrufos. Nessa obra o filósofo critica a moral burguesa vigente. Ele questiona a noção de juízo de valor do que é bom ou mal e sonda até onde isso pode ser útil para o desenvolvimento humano.  
   Dessa forma, a moral do ressentimento, a má consciência, oriunda dos padrões do que é valor encontra o seu maior grau de culpabilização do sujeito dentro da moral cristã. Esse sentimento de culpa e ressentimento é visto como algo positivo na moral do cristianismo. No entanto, Nietzsche chama isso de falsificação da vingança e entende como algo que adoece o espírito.  
   Após, essas declarações iniciais sigo para uma análise mais pormenorizada do quadro. O quadro Arrufos de temática cotidiana exibe um casal depois de uma discussão. O próprio nome que lhe é dado evidencia isso, pois significa mágoa entre pessoas que se gostam. A mulher está à esquerda debruçada sobre o sofá, sentada no chão, sobre um belo tapete, de vestido amarelo claro, cortando o quadro em diagonal, parecendo derramar-se em prantos. O homem está à direita e assume uma atitude de indiferença e desdém em relação à mulher, com seus olhos fixados na fumaça do seu cigarro.  
   Esta obra de Belmiro de Almeida se ajusta a realidade burguesa na medida em que a atitude do homem mostra a sua pretensa superioridade em relação à mulher. O marido em provável situação de julgamento da esposa revela os desmandos e arbitrariedades da sociedade patriarcal da época.  
   Dessa forma, a mulher submetida a uma forte moral cristã presente em seu tempo, que é mais ascética em relação a ela, está submersa ao que Nietzsche denomina como pântano da moralização e do amolecimento doentio dos padrões cristão. Essa situação favorece para que as chamadas plantas pantanosas, que o filósofo cita que são o pessimismo, vergonha do homem diante do homem, rancor da própria existência e valorações depressivas diante de seus instintos, encontram permissão para que existam no interior do sujeito de forma honrosa dentro da lógica cristã. (Nietzsche:2001:56)  
Logo, as ações que deveriam encontrar vazão no mundo exterior são inibidas e rebatidas para o mundo interior, a solução que lhe resta é retornar os desejos vingativos sobre si, ou seja, a produção do ressentimento. A ação tomada é a  
da violência contra si, a que se limita ao efeito reativo e negativo. O outro se torna a razão da decadência de sua vitalidade. Esse estado de “envenenamento psicológico” é o motivo da sua inação (Nietzsche:2001:73)  
   A incapacidade em se desvencilhar dessas impressões afetivas ruins e a lembrança continuada do fato que lhe causa dor faz com que haja um aumento do sofrimento (Nietzsche:2001:30). Nietzsche declara que tal predominância das valorações reativas ou depressivas impede uma compreensão positiva da existência. Além disso, a moral cristã trouxe o máximo de sentimento de culpa ao por o indivíduo em conflito com a dinâmica do seu próprio corpo, de forma antinatural, o que gera um sentimento de desprezo por si e adoecimento (Nietzsche:2001:28-29;76).  
   Todavia, essa alma voluntariamente cindida por um ideal, como a crueldade de um artista que quer imprimir uma forma sobre um estado bruto, esse prazer pelo sofrimento acaba por exalar uma consciência de beleza, por meio da contradição do que seria entendido como feiura. (Nietzsche:2001:76).  
   Dessa forma, podemos tentar compreender a entrega da noiva, na pintura, quanto à relação vivida com o seu marido.  









terça-feira, 8 de maio de 2012

O sistema de indulgências e a inocência de Lutero


                   Artigo sobre a questão das indulgências


   Este artigo pretende trabalhar com o documento, Debate para o Esclarecimento do Valor das Indulgências, ou mais popularmente conhecido como as 95 teses, do Mestre de Artes e professor da Sagrada Escritura da Universidade de Wittenberg Martinho Lutero. A escolha desta documentação é devido à denúncia que ela configurou ao comércio das indulgências promovido no início do século XVI. A partir disso, o presente trabalho busca traçar um breve panorama do que essa prática representava até a resposta de Lutero e apontar os desdobramentos mediante a tal. As 95 teses foram expostas num cartaz afixado à porta norte da Igreja do Castelo de Frederico, na atual Alemanha, em 31 de outubro de 1517. O local escolhido para publicar a sua obra, segundo Edith Simon em seu trabalho, realizado juntamente com Leonard Krieger e Richard C. Marius, intitulado A Reforma para a coleção Biblioteca da História Universal, foi devido ao costume da época em que os intelectuais afixavam as suas idéias em algum lugar público, por não haver jornais para divulgação de opiniões. Além disso, declara que a circunstância que levou a esta atitude foi a grande saída de populares para além das fronteiras de sua cidade para comprar indulgências do frade dominicano João Tetzel, o mais notório em seu tempo nesta prática (Simon,1971:39).

   De acordo com Martin N. Dreher, teólogo com doutorado em História da Igreja, em um dos seus textos publicados pela editora Martin Claret, em Do Cativeiro Babilônico da Igreja, de autoria de Lutero, a indulgência surgiu no séc. XI, e estava relacionada ao sacramento da penitência em que era necessário ao pecador realizar a confissão, arrepender-se e receber algum castigo por sua infração aqui na Terra, com o passar dos séculos, surge a tese de que os vivos poderiam ser purgados no purgatório, e, finalmente, os falecidos (Dreher,2008:121). No entanto, como afirma Edith Simon, a Igreja aceitou com o tempo que os fiéis pudessem receber as indulgências por comparecimento a cerimônias especiais, visitar santuários sagrados, venerar relíquias e, também, por pagamento em dinheiro. Todavia, esse último ponto derivava do direito germânico em que era possível trocar a punição corporal por valores em multas. Ao misturar esses dois elementos a população começou a crer que poderia com os seus recursos celebrar uma apólice com a Igreja Católica visando garantir a sua entrada nos Céus (Simon,1971:35). Contudo, como afirma Dreher esses assuntos possuíam a perspectiva, entre os teólogos da época, de doutrinários, não eram dogmas católicos e, portanto, poderiam ser desacreditados (Dreher,2008:122). O especialista em história da Reforma Harold Grimm, em seu livro The Reformation Era, irá declarar que, apesar disso, houve o caso de Johannes Von Wesel que se colocou contrário a essas resoluções e foi condenado à morte como herético pela Igreja Católica, devido ao seu antagonismo a esse ensinamento (Grimm,1956:110).

   Diante dessa configuração, Edith Simon pontua que o Papa Leão X, publicou novamente a bula de seu antecessor para que todos os que contribuíssem com a construção da basílica de S. Pedro no Vaticano recebessem uma indulgência. Logo, houve pregadores que deturparam a doutrina da Igreja, que não declarava especificamente o que eles diziam, pois eles afirmavam que os certificados assegurariam não apenas a sua salvação, mas as de seus parentes mortos (Simon,1971:39). Tais aproveitando-se da crença popular lograram bastante sucesso na captação de dinheiro para as necessidades financeiras da cúria e do estado papal, entretanto para os fiéis elas eram apenas uma oportunidade de se protegerem do purgatório e do juízo eterno (Dreher,2008:122). 
  Entretanto, a Igreja sabia das repercussões práticas desse tipo de ensinamento, tanto que ao anunciar essa medida, houve o protesto de todos os governantes da Europa porque iriam perder muito ouro de seus territórios para Roma, temeram um colapso da economia. Para resolver essa questão a Santa Sé negociou de forma heterogênea com cada rei a divisão da riqueza adquirida (Simon,1971:39). E uma de suas transações financeiras que ocorreram neste nível foi a com Alberto de Hohenzollern, que comprou o arcebispado de Mogúncia; Grimm expõe em detalhes em seu livro através da citação retirada dos documentos da negociação: “Os alemães finalmente concordaram em pagar 10.000 ducados, correspondentes aos Dez Mandamentos, depois disso entraram em acordo que o arcebispo seria reembolsado com os recursos obtidos com a venda das indulgências (...)” (Grimm,1956:107).  Esse reembolso citado seria a metade do apurado em seu território para ajudá-lo no pagamento do empréstimo que tomara junto à casa bancária Fugger de Augsburgo, encarregada da maioria das transações entre a cúria e os alemães. O escritor e historiador proeminente do cristianismo Owen Chadwick retrata, em A Reforma, que essas circunstâncias não eram conhecidas fora de um pequeno grupo de diplomatas e financeiros (Chadwick,1964:42). Dreher conclui que a cúria e o estado papal dependiam em grande parte da renda auferida com as vendas das indulgências e por isso faziam tantas negociações (Dreher,2008:122).
   O governante da região na qual Lutero morava, Frederico, o Sábio, da Saxônia não recebeu uma concessão como a que fora dada a Alberto e aos monarcas da Europa, o que fez Frederico negar a entrada em suas terras da comissão católica, a saber, naquela ocasião, a chegada do dominicano Tetzel, um dos mais famosos pregadores da doutrina das indulgências. No entanto, este contornou a situação estabelecendo-se na fronteira o que ocasionou no movimento em massa dos camponeses em busca das indulgências, como Edith Simon explica (Simon,1971:39). O historiador Grimm, declara que Lutero sentiu-se impelido em denunciar as indulgências quando viveu a situação em que foi confrontado em sua exortação, a fim de que abandonassem o pecado, com a teoria de Tetzel e, logo em seguida, o ameaçaram de ser reportado ao subcomissário, que poderia indicar para que fosse excomungado quem negasse as indulgências que vendera (Grimm,1956:108) .
   Logo as 95 teses estarem prontas, as afixou à porta da Igreja, porém, ainda que este ato acontecesse na temporada em que muitos turistas visitavam aquela região por ser véspera do feriado de todos os santos e ali residir uma grande coleção de relíquias do governante Frederico, as teses foram direcionadas para o debate entre os teólogos, como atesta Grimm ao dizer que o documento foi escrito em latim e não em alemão e que o próprio conteúdo confirma o seu público alvo (Grimm,1956:109). Por conseguinte as teses não pretendiam deflagrar um novo movimento eclesiástico, como confirma Chadwick ao relatar que elas nada continham das doutrinas centrais da reforma luterana e não possuíam atmosfera diferente da acadêmica (Chadwick,1964:43). Portanto, Martin Dreher declara que a preocupação do teólogo ao fazer tal movimento era com a cura d´almas, bem como de seu compromisso de, como Doutor em Teologia, ter que zelar pela correta doutrina e pregação da Igreja. E isso de acordo com as teses de Lutero seria o retorno para a forma original da indulgência, as penas temporais impostas pela Igreja válidas apenas para os vivos, pois para ele um homem verdadeiramente penitente não fugiria de assumir o seu castigo através de outros dispositivos. Além de evidenciar que fazer penitência é arrepender-se, no entanto, não defendia a exclusão dos castigos que era sacramental, outra proposição era a de que os sacerdotes só poderiam perdoar os pecados que já foram perdoados por Deus; ainda no mesmo documento, criticou aqueles que fundamentavam a sua salvação apenas nas compras das indulgências (Dreher,2008:122).
   Além disso, Grimm declara que Lutero com essas afirmações havia saído em defesa do papa por acreditar que sua autoridade estaria sendo atacada pelos exageros doutrinários de tais pregadores; diz, também, que Lutero manteve uma linguagem acadêmica e que enviou uma cópia das teses junto com uma carta justificando a sua atitude ao arcebispo Alberto (Grimm,1956:109). Este a enviou para o papa, pois a considerou ameaçadora aos seus negócios, como afirma Chadwick (Chadwick,1964:47). Porém, aos olhos do pontífice isso era apenas uma discussão doutrinária entre os agostinianos, ramo que Lutero pertencia, e os dominicanos, a que Tetzel era membro, e que não passaria disso. Este, último, ao ler as teses, declara Edith Simon, asseverou que dentro de três semanas iria mandar o herege que havia feito aquilo para a fogueira (Simon,1971:40). Chadwick, explica que para os dominicanos cumprirem esse propósito, no contexto em que a situação desenrolava-se, deveria acusar Lutero de heresia por questionar a autoridade absoluta do papa visto que a acusação por ser contrário à doutrina das indulgências não se tornaria forte o suficiente para derrubá-lo, por não ser dogmática (Chadwick,1964:47). Entretanto, a escritora Edith Simon não apresenta o argumento da conspiração, ao invés disso, ela irá narrar diversos debates entre Lutero e os dominicanos, motivados em grande parte pelo sucesso das 95 teses, pois estas haviam sido traduzidas para o alemão, divulgadas numa linguagem simples e prejudicado a venda das indulgências. E a autora irá demonstrar que mediante a essas discussões há uma crescente de Lutero ao abandonar os dogmas como, por exemplo, a inefabilidade do papa e dos Concílios, e em contrapartida promover uma defesa mais rigorosa das Escrituras (Simon,1971:41). Chadwick acrescenta que Lutero se sentiu instigado a realizar pesquisas sobre a história da Igreja o que lhe deu motivos para discutir a autoridade do papa (Chadwick,1964:49).
   Apesar dessas atitudes, a sua excomunhão não foi imediata. Ele teve tempo o suficiente para lançar três livros teológicos, o último veio acompanhado com uma carta conciliatória ao papa Leão X pedindo que reformasse a Igreja. Essa demora para a sua expulsão foi influenciada pela defesa que ele recebera de Frederico, governante de sua região, pelo apoio popular e pela morte do imperador Maximiliano. Este último evento provocou a mudança temporária do foco da Igreja até retorná-lo para as heresias, portanto, para o pregador, o que deu um pouco mais de tempo para a progressiva de Lutero. Quando houve a expedição da ordem para que se retratasse de tudo que havia feito sob pena de ser excomungado, ele a recusou; portanto, foi expulso da Igreja Católica e, posteriormente, proscrito pelo imperador católico Carlos V.
   Todo esse movimento teve como resultado na fragmentação da Igreja, que agora seria duas a luterana, defendida por príncipes alemães, e a dos católicos. Posteriormente, esse acontecimento estimulou o surgimento de novos reformadores em outras nações e denominações eclesiásticas ligadas a eles. A igreja católica para responder à ofensiva acelerou a sua reforma em alguns pontos.

Bibliografia

CHADWICK, Owen. A Reforma. Lisboa. Editora Ulisseia, 1964
DREHER, Martin N. Texto complementar 1, As 95 teses. In:Lutero, Martinho. Do Cativeiro Babilônico da Igreja. SP. Martin Claret, 2008
GRIMM, Harold J..The Reformation Era. NY. The Macmilan Company, 1956
SIMON, Edith. A Reforma. In: Biblioteca de História Universal Life. RJ. José Olympio, 1971

Síntese do Pensamento de Aristóteles do livro Direito e Ética - Aristóteles Hobbes Kant da autora Maria Carmo

Síntese do Pensamento de Aristóteles do livro Direito e Ética - Aristóteles Hobbes Kant da autora Maria Carmo


1. Vida e obra

Aristóteles ingressou na academia platônica. Após fundou escolas nos moldes desta e o Liceu. A sua obra é imensa e apenas uma pequena parte chegou até nós, os textos acroamáticos.

1.1 e 2 A influência de Platão / Do ideal ao real

Apesar de possuir forte influência da filosofia de Platão, as suas obras desvinculam-se de algumas das principais teses platônicas. Como a da República em que é abordado a temática da justiça na sociedade por duas personagens céticas e uma idealista, Sócrates, que relata a posição de Platão. Esta propõe a criaçao de um cidade ideal, utópica, para servir de modelo e análise. Aristóteles discorda dessa forma de compreensão, pois prefere trabalhar com a realidade concreta, ou seja, com as causas e efeitos reais da dinâmica do homem, que nem sempre são exatas. Trata-se para ele colocar a luz onde os homens vivem, uma alusão contrária ao mito da caverna.

3. O espaço da ética, espaço da liberdade

O bem propriamente humano é a sua felicidade. No entanto, ela está limitada a morte e aos vicios, escravizantes. Logo, há uma desordem situada no desejo de virtuar-se, ser feliz.
De acordo com aristóteles esta desestabilização é justificada pela falha na ordem astronômica do universo que impacta a tendência de ordem no universo e no homem.

3.1 Práxis e Technê

São dois tipos de saberes diferenciados. A "technê" que significa ofício e a sua essência é de ação concreta, adquirida, orientada para um objeto exterior que segue normas fixas, um encademaento previsível de ações que independe de cultura para a sua realização.
Enquanto a " práxis " é compreendida como a ação dos homens em relação uns com os outros no trato de suas questões e de suas "coisas”. É considerada de maior complexidade porque exige a capacidade de pensar, deliberar, lidar com os outros e de decidir como deve ser ordenado seu próprio mundo, tendo como parâmetro, apenas, o "ethos", costumes e valores, as potencialidades inatas e a maturidade do indivíduo. Além do que este saber é dificilmente adquirido.
Portanto a "práxis" torna o indivíduo mais desenvolvido nas suas qualidades e , por isso, mais realizado e feliz. É esse desenvolvimento da capacidade humana que habilita a "práxis" para operar no âmbito da ética e política.

4. Uma nova metodologia

Aristóteles constatou que no campo da "práxis" não é possível criar leis universais que valham em todo tempo e lugar. Mas é possível aproximar-se a grosso modo da verdade através do uso da dialética na doxa (opinião vigente) para que se formule o conceito de ética prática, o único necessário.
Nessa direção de seus estudos éticos houve a criação da obra política, que foi a verificação, de acordo com a tradiçao, de 158 constituições das cidades gregas e o seu contexto histórico para a elaboração das principais orientações visando uma constituição aprimorada.

5. Ethos

Existem dois tipos de ethos, o caráter e o conjuto de tradições e valores dos gruposo sociais, todavia estão unidos complementarmente. O "ethos" pertence ao presente, mas foi tecido durante o passado. A sua função é de dirigir os atos dos homens, seus comportamentos, e consequentemente a sociedade, de forma correta e construtiva.

6. A virtude

Diferentemente de Platão, Aristóteles entende a alma como uma pluralidade de funções, as virtudes. Sendo estas de dois tipos: a intelectual e a moral. Elas sustentam-se mutuamente.
As virtudes serão prudentes quando são exprimidas de acordo com a situação e a medida necessária para a sua execução. São desenvolvidas pelo hábito (hexis) da prática, à figura dos atletas que precisam exercitar-se para desenvolver as suas capacidades.

6.1 A coragem

É definida como a chave do comportamento ético, sem ela não há vida virtuosa e nem manutenção da liberdade. Ela é o equilíbrio entre duas emoções opostas - o medo e a confiança, que são dirigidas pela racionalidade ( a "práxis" revelada no "ethos" e a "techné").

6.2 A temperança

É a capacidade de conter o "pathos" ( impulsos incontroláveis), por meio da ética e da justa medida. Sem a temperança não há como ser autônomo e nem desenvolver as outras virtudes.

7. Justiça

Considerada a síntese das virtudes, possui uma identificação com a legalidade, além de ser dividida em justiça - qualidade moral e justiça política ou jurídica. Ela deve reger não só as relações dos indivíduos entre si, como também as suas relações com o Estado, pois é a partir dela que há a manutenção da paz na pólis.

7.1 A Equidade

É uma correção da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade.

7.2 Justiça e paz

A justiça supõe uma igualdade reconhecida ou uma proporção justa que mantenha os laços de amizade entre os homens, e logo, a paz.

8. Prudência

Apesar de outros autores terem-na interpretado como algo parecido com o olfato, erroneamente, o seu uso não depende deste, mas do emprego das faculdades mentais, de uma maneira prática. Para produzir o exercício dessa virtude é importante o domínio do "pathos" para que, assim, possa tatear o caminho da felicidade.

8.1 A reta razão “orthos logos"

A sua função é saber exercer a justa medida para a ação das virtudes. O que permite isso é a razão prudencial, que, atenta ao concreto, ao circunstancial, ao acidental, que utiliza todo o potencial adquirido para encontrar o caminho do bem.

9. A pólis

O homem é um animal político que busca como fim de suas atitudes ser feliz. Os dois componentes que o ajudam nessa missão são a pólis para o seu desenvolvimento e gozo da justiça e as virtudes que o ajudarão a controlar-se e ir à direção aos seus interesses.

9.1 A cidadania

Resulta da carência em viver em " koinonia", comunidade, num lugar de mesma cultura e, também, da necessidade de manter-se livre por meio da liberdade da sociedade. Nesse contexto utiliza-se da palavra para realizar decisões em comum, visando à justiça, o que cria um sentimento de pertencimento e igualdade, uma cidadania.

9.2 A constituição

Pela análise em linhas gerais das constituições Aristóteles verificou que uma boa de qualidade deve procurar a justiça e servir a população para o seu pleno funcionamento. Já as formas corrompidas de constituições têm algo em comum: exclusão do cidadão, injustiça criadora de conflitos e a prevalência dos interesses privados sobre o bem público.



Leandro Parente - UERJ