sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Belmiro de Almeida e Nietzsche: Ressentimento

   Arrufos (1887), de Belmiro de Almeida 

       Belmiro de Almeida e Nietzsche: temática do ressentimento na arte brasileira e na filosofia alemã

   O Romantismo Brasileiro visou construir a ideia de nação mediante a junção da monarquia com os atributos idealizados do que seria ser brasileiro.  Diferente da Europa, que possui um passado medieval, os intelectuais românticos criam a ideia do índio nobre, o bom selvagem, e a exaltação da bela vegetação. Logo, o discurso palaciano faz-se presente no ambiente intelectual, nas artes por meio do patrocínio à Escola Nacional de Belas Artes, na literatura e ciências (IHGB). O passado do Brasil torna-se a gênese do Império Brasileiro. 
   Todavia, nos anos próximos a proclamação da república esse cabedal ideológico começa a mudar. O desmoronamento do Império Brasileiro abre espaço para o surgimento de novas questões no meio artístico. Os ateliês abrem as portas ao calor das mudanças republicanas. 
    Belmiro de Almeida, um integrante da Escola Nacional de Belas Artes, surpreende o público brasileiro ao lançar uma obra que retrata um burguês no interior de sua casa perpassado por temas sociais e triviais. Em sua obra Arrufos (1887) foi visto o adultério e o ressentimento pelo público. Isso representa uma mudança para a época, pois fica representado assim que a artes já não mais está monopolizada a pinturas do imperador ou de homens ilustres. Essa é uma obra adaptada a uma nova conjuntura política e é fruto de uma nova geração de artistas dispostos a contestar preconceitos e abrir caminhos menos austeros.  
    Além disso, obra de Belmiro é influenciada por tendências europeias relativas ao realismo de Coubert e a pintura de gênero.  
   Apesar de ainda não podermos falar de uma fase pré-modernista no Brasil nessa época, podemos confrontar a produção brasileira com a obra filosófica de um contemporâneo europeu modernista, Nietzsche (1844-1900). 
   A obra que é e a base para analisar o ressentimento na pintura é a “Genealogia da Moral”, produzida no mesmo ano de Arrufos. Nessa obra o filósofo critica a moral burguesa vigente. Ele questiona a noção de juízo de valor do que é bom ou mal e sonda até onde isso pode ser útil para o desenvolvimento humano.  
   Dessa forma, a moral do ressentimento, a má consciência, oriunda dos padrões do que é valor encontra o seu maior grau de culpabilização do sujeito dentro da moral cristã. Esse sentimento de culpa e ressentimento é visto como algo positivo na moral do cristianismo. No entanto, Nietzsche chama isso de falsificação da vingança e entende como algo que adoece o espírito.  
   Após, essas declarações iniciais sigo para uma análise mais pormenorizada do quadro. O quadro Arrufos de temática cotidiana exibe um casal depois de uma discussão. O próprio nome que lhe é dado evidencia isso, pois significa mágoa entre pessoas que se gostam. A mulher está à esquerda debruçada sobre o sofá, sentada no chão, sobre um belo tapete, de vestido amarelo claro, cortando o quadro em diagonal, parecendo derramar-se em prantos. O homem está à direita e assume uma atitude de indiferença e desdém em relação à mulher, com seus olhos fixados na fumaça do seu cigarro.  
   Esta obra de Belmiro de Almeida se ajusta a realidade burguesa na medida em que a atitude do homem mostra a sua pretensa superioridade em relação à mulher. O marido em provável situação de julgamento da esposa revela os desmandos e arbitrariedades da sociedade patriarcal da época.  
   Dessa forma, a mulher submetida a uma forte moral cristã presente em seu tempo, que é mais ascética em relação a ela, está submersa ao que Nietzsche denomina como pântano da moralização e do amolecimento doentio dos padrões cristão. Essa situação favorece para que as chamadas plantas pantanosas, que o filósofo cita que são o pessimismo, vergonha do homem diante do homem, rancor da própria existência e valorações depressivas diante de seus instintos, encontram permissão para que existam no interior do sujeito de forma honrosa dentro da lógica cristã. (Nietzsche:2001:56)  
Logo, as ações que deveriam encontrar vazão no mundo exterior são inibidas e rebatidas para o mundo interior, a solução que lhe resta é retornar os desejos vingativos sobre si, ou seja, a produção do ressentimento. A ação tomada é a  
da violência contra si, a que se limita ao efeito reativo e negativo. O outro se torna a razão da decadência de sua vitalidade. Esse estado de “envenenamento psicológico” é o motivo da sua inação (Nietzsche:2001:73)  
   A incapacidade em se desvencilhar dessas impressões afetivas ruins e a lembrança continuada do fato que lhe causa dor faz com que haja um aumento do sofrimento (Nietzsche:2001:30). Nietzsche declara que tal predominância das valorações reativas ou depressivas impede uma compreensão positiva da existência. Além disso, a moral cristã trouxe o máximo de sentimento de culpa ao por o indivíduo em conflito com a dinâmica do seu próprio corpo, de forma antinatural, o que gera um sentimento de desprezo por si e adoecimento (Nietzsche:2001:28-29;76).  
   Todavia, essa alma voluntariamente cindida por um ideal, como a crueldade de um artista que quer imprimir uma forma sobre um estado bruto, esse prazer pelo sofrimento acaba por exalar uma consciência de beleza, por meio da contradição do que seria entendido como feiura. (Nietzsche:2001:76).  
   Dessa forma, podemos tentar compreender a entrega da noiva, na pintura, quanto à relação vivida com o seu marido.  









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