terça-feira, 8 de maio de 2012

O sistema de indulgências e a inocência de Lutero


                   Artigo sobre a questão das indulgências


   Este artigo pretende trabalhar com o documento, Debate para o Esclarecimento do Valor das Indulgências, ou mais popularmente conhecido como as 95 teses, do Mestre de Artes e professor da Sagrada Escritura da Universidade de Wittenberg Martinho Lutero. A escolha desta documentação é devido à denúncia que ela configurou ao comércio das indulgências promovido no início do século XVI. A partir disso, o presente trabalho busca traçar um breve panorama do que essa prática representava até a resposta de Lutero e apontar os desdobramentos mediante a tal. As 95 teses foram expostas num cartaz afixado à porta norte da Igreja do Castelo de Frederico, na atual Alemanha, em 31 de outubro de 1517. O local escolhido para publicar a sua obra, segundo Edith Simon em seu trabalho, realizado juntamente com Leonard Krieger e Richard C. Marius, intitulado A Reforma para a coleção Biblioteca da História Universal, foi devido ao costume da época em que os intelectuais afixavam as suas idéias em algum lugar público, por não haver jornais para divulgação de opiniões. Além disso, declara que a circunstância que levou a esta atitude foi a grande saída de populares para além das fronteiras de sua cidade para comprar indulgências do frade dominicano João Tetzel, o mais notório em seu tempo nesta prática (Simon,1971:39).

   De acordo com Martin N. Dreher, teólogo com doutorado em História da Igreja, em um dos seus textos publicados pela editora Martin Claret, em Do Cativeiro Babilônico da Igreja, de autoria de Lutero, a indulgência surgiu no séc. XI, e estava relacionada ao sacramento da penitência em que era necessário ao pecador realizar a confissão, arrepender-se e receber algum castigo por sua infração aqui na Terra, com o passar dos séculos, surge a tese de que os vivos poderiam ser purgados no purgatório, e, finalmente, os falecidos (Dreher,2008:121). No entanto, como afirma Edith Simon, a Igreja aceitou com o tempo que os fiéis pudessem receber as indulgências por comparecimento a cerimônias especiais, visitar santuários sagrados, venerar relíquias e, também, por pagamento em dinheiro. Todavia, esse último ponto derivava do direito germânico em que era possível trocar a punição corporal por valores em multas. Ao misturar esses dois elementos a população começou a crer que poderia com os seus recursos celebrar uma apólice com a Igreja Católica visando garantir a sua entrada nos Céus (Simon,1971:35). Contudo, como afirma Dreher esses assuntos possuíam a perspectiva, entre os teólogos da época, de doutrinários, não eram dogmas católicos e, portanto, poderiam ser desacreditados (Dreher,2008:122). O especialista em história da Reforma Harold Grimm, em seu livro The Reformation Era, irá declarar que, apesar disso, houve o caso de Johannes Von Wesel que se colocou contrário a essas resoluções e foi condenado à morte como herético pela Igreja Católica, devido ao seu antagonismo a esse ensinamento (Grimm,1956:110).

   Diante dessa configuração, Edith Simon pontua que o Papa Leão X, publicou novamente a bula de seu antecessor para que todos os que contribuíssem com a construção da basílica de S. Pedro no Vaticano recebessem uma indulgência. Logo, houve pregadores que deturparam a doutrina da Igreja, que não declarava especificamente o que eles diziam, pois eles afirmavam que os certificados assegurariam não apenas a sua salvação, mas as de seus parentes mortos (Simon,1971:39). Tais aproveitando-se da crença popular lograram bastante sucesso na captação de dinheiro para as necessidades financeiras da cúria e do estado papal, entretanto para os fiéis elas eram apenas uma oportunidade de se protegerem do purgatório e do juízo eterno (Dreher,2008:122). 
  Entretanto, a Igreja sabia das repercussões práticas desse tipo de ensinamento, tanto que ao anunciar essa medida, houve o protesto de todos os governantes da Europa porque iriam perder muito ouro de seus territórios para Roma, temeram um colapso da economia. Para resolver essa questão a Santa Sé negociou de forma heterogênea com cada rei a divisão da riqueza adquirida (Simon,1971:39). E uma de suas transações financeiras que ocorreram neste nível foi a com Alberto de Hohenzollern, que comprou o arcebispado de Mogúncia; Grimm expõe em detalhes em seu livro através da citação retirada dos documentos da negociação: “Os alemães finalmente concordaram em pagar 10.000 ducados, correspondentes aos Dez Mandamentos, depois disso entraram em acordo que o arcebispo seria reembolsado com os recursos obtidos com a venda das indulgências (...)” (Grimm,1956:107).  Esse reembolso citado seria a metade do apurado em seu território para ajudá-lo no pagamento do empréstimo que tomara junto à casa bancária Fugger de Augsburgo, encarregada da maioria das transações entre a cúria e os alemães. O escritor e historiador proeminente do cristianismo Owen Chadwick retrata, em A Reforma, que essas circunstâncias não eram conhecidas fora de um pequeno grupo de diplomatas e financeiros (Chadwick,1964:42). Dreher conclui que a cúria e o estado papal dependiam em grande parte da renda auferida com as vendas das indulgências e por isso faziam tantas negociações (Dreher,2008:122).
   O governante da região na qual Lutero morava, Frederico, o Sábio, da Saxônia não recebeu uma concessão como a que fora dada a Alberto e aos monarcas da Europa, o que fez Frederico negar a entrada em suas terras da comissão católica, a saber, naquela ocasião, a chegada do dominicano Tetzel, um dos mais famosos pregadores da doutrina das indulgências. No entanto, este contornou a situação estabelecendo-se na fronteira o que ocasionou no movimento em massa dos camponeses em busca das indulgências, como Edith Simon explica (Simon,1971:39). O historiador Grimm, declara que Lutero sentiu-se impelido em denunciar as indulgências quando viveu a situação em que foi confrontado em sua exortação, a fim de que abandonassem o pecado, com a teoria de Tetzel e, logo em seguida, o ameaçaram de ser reportado ao subcomissário, que poderia indicar para que fosse excomungado quem negasse as indulgências que vendera (Grimm,1956:108) .
   Logo as 95 teses estarem prontas, as afixou à porta da Igreja, porém, ainda que este ato acontecesse na temporada em que muitos turistas visitavam aquela região por ser véspera do feriado de todos os santos e ali residir uma grande coleção de relíquias do governante Frederico, as teses foram direcionadas para o debate entre os teólogos, como atesta Grimm ao dizer que o documento foi escrito em latim e não em alemão e que o próprio conteúdo confirma o seu público alvo (Grimm,1956:109). Por conseguinte as teses não pretendiam deflagrar um novo movimento eclesiástico, como confirma Chadwick ao relatar que elas nada continham das doutrinas centrais da reforma luterana e não possuíam atmosfera diferente da acadêmica (Chadwick,1964:43). Portanto, Martin Dreher declara que a preocupação do teólogo ao fazer tal movimento era com a cura d´almas, bem como de seu compromisso de, como Doutor em Teologia, ter que zelar pela correta doutrina e pregação da Igreja. E isso de acordo com as teses de Lutero seria o retorno para a forma original da indulgência, as penas temporais impostas pela Igreja válidas apenas para os vivos, pois para ele um homem verdadeiramente penitente não fugiria de assumir o seu castigo através de outros dispositivos. Além de evidenciar que fazer penitência é arrepender-se, no entanto, não defendia a exclusão dos castigos que era sacramental, outra proposição era a de que os sacerdotes só poderiam perdoar os pecados que já foram perdoados por Deus; ainda no mesmo documento, criticou aqueles que fundamentavam a sua salvação apenas nas compras das indulgências (Dreher,2008:122).
   Além disso, Grimm declara que Lutero com essas afirmações havia saído em defesa do papa por acreditar que sua autoridade estaria sendo atacada pelos exageros doutrinários de tais pregadores; diz, também, que Lutero manteve uma linguagem acadêmica e que enviou uma cópia das teses junto com uma carta justificando a sua atitude ao arcebispo Alberto (Grimm,1956:109). Este a enviou para o papa, pois a considerou ameaçadora aos seus negócios, como afirma Chadwick (Chadwick,1964:47). Porém, aos olhos do pontífice isso era apenas uma discussão doutrinária entre os agostinianos, ramo que Lutero pertencia, e os dominicanos, a que Tetzel era membro, e que não passaria disso. Este, último, ao ler as teses, declara Edith Simon, asseverou que dentro de três semanas iria mandar o herege que havia feito aquilo para a fogueira (Simon,1971:40). Chadwick, explica que para os dominicanos cumprirem esse propósito, no contexto em que a situação desenrolava-se, deveria acusar Lutero de heresia por questionar a autoridade absoluta do papa visto que a acusação por ser contrário à doutrina das indulgências não se tornaria forte o suficiente para derrubá-lo, por não ser dogmática (Chadwick,1964:47). Entretanto, a escritora Edith Simon não apresenta o argumento da conspiração, ao invés disso, ela irá narrar diversos debates entre Lutero e os dominicanos, motivados em grande parte pelo sucesso das 95 teses, pois estas haviam sido traduzidas para o alemão, divulgadas numa linguagem simples e prejudicado a venda das indulgências. E a autora irá demonstrar que mediante a essas discussões há uma crescente de Lutero ao abandonar os dogmas como, por exemplo, a inefabilidade do papa e dos Concílios, e em contrapartida promover uma defesa mais rigorosa das Escrituras (Simon,1971:41). Chadwick acrescenta que Lutero se sentiu instigado a realizar pesquisas sobre a história da Igreja o que lhe deu motivos para discutir a autoridade do papa (Chadwick,1964:49).
   Apesar dessas atitudes, a sua excomunhão não foi imediata. Ele teve tempo o suficiente para lançar três livros teológicos, o último veio acompanhado com uma carta conciliatória ao papa Leão X pedindo que reformasse a Igreja. Essa demora para a sua expulsão foi influenciada pela defesa que ele recebera de Frederico, governante de sua região, pelo apoio popular e pela morte do imperador Maximiliano. Este último evento provocou a mudança temporária do foco da Igreja até retorná-lo para as heresias, portanto, para o pregador, o que deu um pouco mais de tempo para a progressiva de Lutero. Quando houve a expedição da ordem para que se retratasse de tudo que havia feito sob pena de ser excomungado, ele a recusou; portanto, foi expulso da Igreja Católica e, posteriormente, proscrito pelo imperador católico Carlos V.
   Todo esse movimento teve como resultado na fragmentação da Igreja, que agora seria duas a luterana, defendida por príncipes alemães, e a dos católicos. Posteriormente, esse acontecimento estimulou o surgimento de novos reformadores em outras nações e denominações eclesiásticas ligadas a eles. A igreja católica para responder à ofensiva acelerou a sua reforma em alguns pontos.

Bibliografia

CHADWICK, Owen. A Reforma. Lisboa. Editora Ulisseia, 1964
DREHER, Martin N. Texto complementar 1, As 95 teses. In:Lutero, Martinho. Do Cativeiro Babilônico da Igreja. SP. Martin Claret, 2008
GRIMM, Harold J..The Reformation Era. NY. The Macmilan Company, 1956
SIMON, Edith. A Reforma. In: Biblioteca de História Universal Life. RJ. José Olympio, 1971

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